“Running forward/ Falling
back/ Spinning round and round/ Looking outward/ Reaching
in/ Scream without a sound/ Leaning over/ Crawling
up/ Stumbling all around/ Losing my place/ Only
to find I've come full circle”
-
Dream Theater
Análise
Como
descrito anteriormente, o método de amplificação consiste em três etapas
principais: contato com o símbolo, associação com outras imagens arquetípicas,
e o retorno do símbolo e seu valor individual associado com o valor coletivo e
arquetípico.
Ouroboros num manuscrito judaico do Séc 18 |
“Portanto,
a amplificação é executada em três fases distintas: a primeira seria o contato
com o símbolo e as observações experienciais do analisado; a segunda é a etapa
de amplificação coletiva, onde se pega um símbolo específico e o associa com
outras imagens arquetípicas, e por isso pode ser denominada de objetividade da
imagem; a terceira e última é o retorno ao subjetivo com o auxilio das
analogias universais, em outras palavras, o símbolo – primordialmente
individual – manifestado passa por uma variedade de possibilidades
significativas através da associação com a coletividade, após essa etapa, ele
necessita do indivíduo – que utiliza como parâmetro o reconhecimento afetivo
dentro dos aspectos coletivos – para dar sentido ao símbolo” (CHAISE E VIANA
apud JUNG, 2011, 12).
Contato com o Símbolo
É
de valor significativo então explicitar que individualmente, passei a me
interessar pela imagem arquetípica do Ourobóros quando situações da minha vida
exigiam mudanças de atitude e paradigma. Eu simplesmente enxergava a imagem em
tudo que via formas circulares, letras de músicas, poemas, poesias, ou seja,
realizei espontaneamente associações que fizeram com que a imagem simplesmente
conversasse comigo, chamando minha atenção para algo que, a priori, era
nebuloso para o meu eu consciente.
Comecei a procurar em todos os lugares
literaturas que pudessem me ajudar a entender o significado desta imagem, e
como ela aparecera para mim. Ao meditar sobre a mesma, fui tomado por
sentimentos de mudanças e transformações, que eu, intuitivamente, sabia que
precisava reavaliar a forma que manifestava minha existência para atingir um
crescimento que defino como espiritual, ou seja, me alinhar com a manifestação
real que emanava animicamente do meu ser.
"Fred", Anão de Jardim da 'Compania Internacional' |
Sentia
que me encontrava vazio, desorientado e sem forças para tomar qualquer atitude
de mudança quanto a minha própria situação. Com o passar do tempo, e
incorporando literaturas que variavam de esferas como psicologia, filosofia,
mitologia e outras de cunho espiritual, percebi uma pequena faísca de
transformação começar a se manifestar em meu âmago. Consegui com o tempo
elaborar uma série de questões e embarcar numa aventura mitológica e pessoal
que me permitiu acessar aspectos, não só desconhecidos de minha pessoa, como
também fantásticos, que me deram forças necessárias para realizar
transformações pessoais, que acabaram por afetar toda minha dinâmica social e
individual.
No entanto, não é a primeira vez que alguma figura brota do
inconsciente, muito menos essa figura da serpente circular. O elemento químico
Benzeno que apresenta uma forma cíclica foi descoberto pelo químico August
Kekulé. No ano de 1890, numa convenção em Berlim realizada para comemorar os 25
anos da publicação de Kekulé sobre a estrutura do Benzeno, o mesmo relatou um suposto
sonho que serviu de ‘insigh’ para sua descoberta:
“Estava sentado escrevendo meu manual, mas o trabalho não progredia;
meus pensamentos estavam dispersos. Virei minha cadeira para a lareira e
adormeci. Novamente os átomos saltavam à minha frente. Desta vez os grupos
menores permaneciam modestamente no fundo. Meu olho mental, aguçado pelas
repetidas visões do gênero, discernia estruturas mais amplas de conformação
múltipla; longas fileiras às vezes mais estreitamente encaixadas, todas rodando
e torcendo-se em movimentos de cobra. Mas veja só! O que é aquilo? Uma das
cobras havia agarrado a própria cauda e a forma rodopiava de modo a debochar
ante meus olhos. Como se à luz de um relâmpago, despertei; e desta vez, também
passei o resto da noite tentando estender as consequências da hipótese.
Senhores, aprendamos a sonhar, e talvez então encontraremos a verdade
[...] mas também vamos ter cuidado para não publicar nossos sonhos até que eles
tenham sido examinados pela mente desperta.”
Estrutura de Benzeno envolta por Ourobóros |
Amplificação Coletiva e Analogias
Universais
Cirlot
(1974) consegue em seu Diccionario de los
símbolos sintetizar a maioria das analogias levantadas no trabalho:
“Este
símbolo, que aparece principalmente entre os gnósticos, é um dragão ou serpente
que morde a própria cauda. Em sentido mais geral, simboliza o tempo e a
continuidade da vida. Em suas representação tem por complemento que diz: Hen to
pan (o Um, o Todo. Assim aparece no Codex Marcianus do século II d.C. Foi
interpretado como a união do princípio ctônico da serpente e o princípio
celeste do pássaro (síntese que se pode aplicar ao dragão).
"The Bitter End" arte digital de Bluefooted (Deviant Art) |
Segundo
Ruland, isto o define como variante simbólica de Mercúrio, o deus duplex. Em
algumas representação a metade do corpo do animal é clara e a outra escura,
aludindo à contraposição sucessiva de princípios, como o símbolo chinês
Yang-Yin. Segundo Evola, é a dissolução dos corpos: a serpente universal que,
segundo os gnósticos “caminha através de todas as coisas”. O veneno, víbora,
dissolvente universal, são símbolos do indiferenciado, do “princípio invariável”
ou comum, que passa entre as coisas e as liga. O dragão, como o touro, luta
contra o herói solar.
'Ouroboros', arte plástica de |
Segundo
E. Neuman, em seus estudos sobre o simbolismo matriarcal, o símbolo primordial
da criação do mundo é a serpente que morde a sua própria cauda, ato que
significa autofecundação. No manuscrito veneziano de alquimia vemos a serpente
do Ourobóros com uma metade negra (símbolo da terra) e a outra metade branca e
salpicada de pontos que representam estrelas (céu) o que ratifica esse caráter
de coniunctio e hierogamia. Assinala o doutor Sarró, em seu artigo “El mito de
la serpiente Ouroboros y el simbolismo letamendiano del organismo”, que este
mito se refere a ideia de uma natureza capaz de renovar-se a sí mesma, cíclica
e constantemente, de acordo com Nietzsche em O Eterno Retorno” (CIRLOT, 1974).
Outras
analogias possíveis à imagem arquetípica do Ourobóros é sua semelhança com a
simbologia e cultura Hindu, que fora melhor explorada no capítulo anterior
através do conceitos de “Kundalini”, que significa ‘enrolada’. Metaforicamente
uma serpente enrolada na altura do cóccix esperando para ser despertada (em
nível de consciência).
Representação da subida de 'Kundalini' |
E como já vimos anteriormente, a
simbologia egípcia é rica e pertinente no que diz respeito a análise de imagens
primordialmente arquetípicas. O ‘Uraeus’ é um adorno de serpente que era utilizado na
cabeça dos faraós ou para adornar templos, que representa as características divinas
e soberanas do governante, mas principalmente sua imortalidade.
'Uraeus' adornando a cabeça do deus Hórus em gravura egípcia |
Pode ser associado também ao Arcano 10 do tarô, correspondente à Roda da Fortuna, carta definida pelo tarólogo Constantino Riemma como “os ciclos sucessivos na natureza e na vida humana. As fases da manifestação, o movimento de ascensão e de declínio. A mobilidade das coisas”. O símbolo do Ourobóros aparece também em algumas cartas do Arcano 21: O Mundo. Constantino afirma que esta carta representa “Finalização, realização, recompensa, apoteose. Encontrar o próprio lugar no mundo. Centralizar-se. O equilíbrio inspirado”.
Cartas "A Roda da Fortuna" e "O Mundo", retiradas do tarô alquímico de Robert Place |
Segundo
o psiquiatra Paulo Urban, entre os astecas e outras cultural da América Central
e andina, Quetzalcoatl, a serpente emplumada (uma combinação de Quetzal, pássaro
e serpente), é uma divindade solar e surge como elo entre os deuses e os homens,
podendo ainda estar associada à chuva, ao vento, aos raios e trovões, bem como
ao sopro da vida, ou ainda ao tempo incriado.
'Quetzalcoalt' de SanMonet |
Na
mitologia africana, o Orixá (divindade) Oxumaré é caracterizado segundo
Reginaldo Prandi em “Mitologia dos Orixás” como “símbolo
da continuidade e da permanência, algumas vezes, é representado por uma
serpente que morde a própria cauda”, podendo representar aspectos
tanto masculino quanto femininos, além de representar “a mobilidade, a
atividade, uma de suas funções é a de dirigir as forças que dirigem o
movimento”.
Gravura do Orixá 'Oxumaré' |
Encontramos outra referência ao ofídio circular se
analisarmos a cultura nórdica, na mesma existe uma serpente chamada
Jörmundgander. Segue o relato da lenda tirado de um diálogo série do History Channel
“Vikings”:
“O grande mar é mantido
no lugar por Jörmundgander a Serpente, que com seu corpo gigante o circunda e
mantém seu rabo em sua boca para completar o círculo e impedir as ondas de se
libertarem. Mas um dia, o Deus Thor, filho da Terra, pescava no mar pela
Serpente, usando a cabeça de um touro como isca. Jörmundgander levantou e as
ondas bateram na praia, enquanto ele se torcia e se retorcia em fúria. Eles
combinavam bem, Serpente e Deus, naquela briga furiosa. O mar ferveu ao redor
deles, mas, então, o gancho ficou desalojado, a Serpente rastejou livre, e
afundou novamente, muito rápida, sob as ondas. E logo, o mar ficou calmo de
novo, como se nada tivesse acontecido.”
Jörmundgander em volta do símbolo de proteção Aegishjálmur e gravura dessa serpente marinha enfrentando o deus Thor |
Na cultura oriental, especificamente no Zen Budismo, existe
um conceito chamado “Ensō”, cujo o
significado em japonês é ‘círculo’:
“Simboliza iluminação, força, elegância, o
universo e o vazio; também pode simbolizar a própria estética japonesa. Como
uma "expressão do momento" é frequentemente considerado uma forma de
arte expressionista. [...] Na pintura zen budista, o ensō simboliza um
momento quando a mente está livre para simplesmente deixar os sentidos criarem.
Os zen budistas acreditam que o caráter do artista está completamente
exposto na forma com a qual desenha um ensō. Apenas uma pessoa mentalmente
completa, que tenha percebido sua natureza búdica, consegue desenhar um ensō
verdadeiro. Alguns artistas praticam o desenho do ensō diariamente, como uma
espécie de exercício espiritual."
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ens%C5%8D
Caligrafia de Kanjuro Shibata (2000) |
Além disso o
símbolo do Ourobóros é encontrado em diversos materiais ocultistas, gnósticos,
esotéricos e alquímicos, sendo
representado em gravuras, selos e inclusive como emblemas de algumas sociedades
esotéricas, como por exemplo a Sociedade Teosófica, que tem como base os
ensinamentos de Helena Pretovna Blavatsky. A teosofia é incrível e não cabe
agora comentar sobre a mesma, mas quem tiver interesse:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Teosofia
Emblema da Sociedade Teosófica com os dizeres "Não há Religião maior que a Verdade" |
Estas foram alguma das analogias universais levantadas ao
longo deste trabalho. É possível concluir que a imagem do Ourobóros é
extremamente rica e presente em diversas culturas e momentos históricos,
podendo ser caracterizada como arquetípica, portanto, universal. Ela representa
os ciclos, o eterno, a integração, a completude, a transformação, o
desenvolvimento de si-mesmo, a harmonia, o infindável movimento do flerte
constante das polaridades que impulsiona a criação e expansão da vida à partir
da sua essência.
As imagens me lembraram muito do "demiurgo" , estamos dentro do ciclo nas cartas dos dragões, somos os ciclos e dragões, dentro do sistema maya de gaya , estamos em tempos de poder perceber que somos o próprio ciclo em si e que precisamos libertar o máximo de consciências que pudermos.. uma consciência coletiva .. daqui de dentro!
ResponderExcluirEstamos dentro da barriga da cobra