“Só o que está separado pode ser
devidamente unido.”
- Alquimista desconhecido
Individuação
Na escola
analítica, compreende-se que a psique seja maior que a consciência em si, ou
seja, a existência de todo um campo inconsciente que interfere e interage com a
mente consciente. Além do inconsciente pessoal, Jung (2011) defende a
existência de um inconsciente coletivo, um plano de consciência no qual
ficariam armazenados toda a herança cultural da sociedade, acessível ao nível
consciente, cujo encontro, através de arquétipos, acrescentam e expandem a
consciência.
Arquétipos
podem ser definidos como temas típicos que aparecem em toda forma de sociedade
e cultura, que abriga um significado primordial de estruturas psíquicas, os
quais os indivíduos experienciam em níveis pessoais. Em Os arquétipos e o
Inconsciente Coletivo (JUNG, 2011), o autor define que “O arquétipo representa
essencialmente um conteúdo inconsciente, o qual se modifica através de sua
conscientização e percepção, assumindo matrizes que variam de acordo com a
consciência individual na qual se manifesta” (JUNG, 2011).
Gravura de Camille Flammarion, da obra "L'atmosphère, météorologie populaire" de 1888 |
De acordo com Jung (1999),
apesar da expressão social e coletiva de imagens e energias ligadas à ideia de
divino, em nível individual, é necessário que o ser humano permita-se
atravessar por tais ideias, pois isso ajuda sua natureza no processo de
transcendência e auto-conhecimento - processo chamado de individuação. Em “O
Poder do Mito” (CAMPBELL, 1999), o autor cita Nietzsche e toda sua teoria do
eterno retorno, para demostrar a existência humana como cíclica. Nesta teoria,
há a defesa de que as vivências humanas se dão através da polarização
complementar dos aspectos pessoais que se repetem interminavelmente ao longo da
existência, demarcando também a noção de infinito, porém ligada a psique humana
e não em alguma entidade fora dela.
“Podemos dizer que a
personalidade humana é constituída de duas partes: a primeira é a consciência e
tudo o que ela abrange; a segunda é o interior de amplidão indeterminada da
psique inconsciente. A personalidade consciente é mais ou menos definível e
determinável. Mas, em relação à personalidade humana, como um todo, temos de
admitir a impossibilidade de uma descrição completa dela. Em toda personalidade
existe inevitavelmente algo de indelineável e de indefinível, uma vez que ela
apresenta um lado consciente e observável, que não contém determinados fatores,
cuja existência, no entanto é forçoso admitir, se quisermos explicar a
existência de certos fatos. Estes fatores desconhecidos constituem aquilo que
designamos como o lado inconsciente da personalidade” (JUNG, 1989, 47).
Realizar a síntese destes
opostos no Si-mesmo é a meta do processo de individuação. Isso ocorre com a
discriminação e a consequente integração de conteúdos inicialmente
inconscientes e que fazem parte de um processo de transição da consciência
comum (vigília) para um estado psíquico mais amplo, na busca do homem
consciente, o homem total.
Aquarela do manuscrito "Aurora Consurgens" de autor desconhecido, representando a dialética entre as polaridades masculina (sol) e feminina (lua) |
Evidentemente, esta é uma
experiência incomum e vivida por poucas pessoas geralmente não antes da segunda
metade da vida. A Individuação é um processo que ocorre durante toda a vida,
mas, às vezes, há uma intensificação antes da maturidade da idade adulta e,
quando isso acontece, há uma mudança na forma da pessoa encarar sua vida,
fazendo-a manifestar, às vezes, alguns “comportamentos místicos”, num
sentimento de comunhão e harmonia com a vida.
É de suma importância que as
pessoas consigam refletir e entrar em contato com tais aspectos de suas
personalidades, uma vez que, compreendendo-as, é possível integrá-las, tendo
como consequência uma existência mais saudável e prazerosa, transcendendo a
patologia e permitindo que suas verdadeiras essências venham à tona e se
transformem.
Os Arquétipos Complementares
Jung
descreve alguns arquétipos, universais e necessários para a compreensão da vida
psíquica do homem. Alguns básicos discutidos pelo autor são os arquétipos da
anima, animus, persona e sombra. A integração destes são de suma importância
para o processo de individuação.
Ele consegue perceber a
natureza polarizada na psique humana, e admite no homem uma natureza feminina,
dando ao nome de anima, e seu
complementar, a natureza masculina na mulher, de animus. “[...] Desde tempos imemoriais, o homem nos mitos, sempre
exprimiu a ideia da coexistência do masculino e do feminino num só corpo”
(JUNG, 1989, 38).
“O homem é composto
biológica, e psicologicamente, de aspectos masculinos e femininos, para se
desenvolver plenamente deve passar por fases: infância, adolescência, idade
madura e velhice. Neste processo precisa integrar partes essenciais de sua
personalidade como seu lado guerreiro, seu lado sensível, seu lado legislador e
líder. A este processo de ir à busca da totalidade, Jung denominou
individuação, e implica num grau de diferenciação de seus aspectos masculinos e
femininos” (ULSON, 1997, 76).
A ideia andrógina de Deus
faz com que, na busca pelo divino (individuação), a psique humana precise
vivenciar, mesmo que em planos oníricos, personalidades complementares, cujas
orientações muitas vezes sejam contrárias àquelas conscientes, trazendo ao
sonhador, novos e diferentes pontos de vista que facilitam uma compreensão mais
panorâmica de si mesmo.
"Union" arte de Android Jones |
Anima e animus seriam então os aspectos complementares de gênero na
psique, personalidades inferiores que habitam a mente e são necessários para a
dialética das polaridades consciente e inconsciente.
Persona pode ser definido
como o arquétipo social. Aquele que abrange o tato das relações interpessoais e
coletivas, e relação com o outro. É um conjunto de normas e condutas culturais
que o indivíduo assimila e constrói uma identidade complementar.
“A partir de Jung, o
conceito de ‘persona’ significa mais precisamente o eu social resultante dos
esforços de adaptação realizados para observar as normas social, morais e
educacionais de seu meio. A persona lança fora de seu campo de consciência
todos os elementos – emoções, traços de caráter, talentos, atitudes – julgados
inaceitáveis para as pessoas significativas do seu meio. Esse mecanismo produz
no inconsciente uma contrapartida de si mesmo que Jung chamou de ‘sombra”.
(OCANÃ, 2008, 04)
A sombra pode ser
caracteriazada como o arquétipo da negação. Na sombra é personificado tudo
aquilo que se tem resistência ou dificuldade para assimilar como próprio. A
sombra é o amargurado ou reprimido que clama por expressão. Não só se opõe a
persona, no constructo social, mas também em nível individual do sujeito e seus
instintos e potenciais negligenciados pela sociedade.
“Diversas pessoas que
trilham o caminho do aperfeiçoamento individual acreditam que completaram o
processo, mas são incapazes de enxergar a verdade sobre si mesmas. Muitos de
nós almejam ver a luz e viver na beleza do seu eu mais elevado, mas tentamos fazer
isso sem integrar nosso ser. Não podemos ter a experiência completa da luz sem
conhecer a escuridão. O lado sombrio é o porteiro que abre as portas para a
verdadeira liberdade. Todos devem estar atentos para explorar e expor
continuamente esse aspecto do ser. Quer você goste ou não, sendo humano, você
tem uma sombra.” (FORD, 1998, 23).
A integração desses aspectos
psicológicos inicialmente opostos seria, portanto a chave da chamada
individuação. Através destes, seria possível atingir um estado psicológico
centrado, no qual o maniqueísmo neurótico não mais afetaria negativamente a
vida dos indivíduos.
“É de suma
importancia que um indivíduo se relacione com esses aspectos nebulosos de sua
psique e possa, no encontro com esses arquétipos, canalizar sua energia
psíquica a fim de construir uma identidade plena, consciente de si-mesmo. Essa
construção de identidade é um processo chamado por Jung (1986) de individuação.
É um fenômeno que ocorre em todo o decorrer da vida, quando um sujeito ascende
a níveis menos infantis de funcionamento em busca da integração de sua
personalidade. A matriz dessa personalidade individual provém do conceito
junguiano de self ou si-mesmo que pode ser definido como o arquétipo da totalidade e centro regulador da psique, oculto por trás da
personalidade total e encarregado de levar à prática o projeto de vida e de
guiar o processo de individuação. Por isso, Jung dizia que sua vivência poderia
sentir-se psicologicamente como o “Deus dentro de nós” (SHARP apud JUNG,
1994,181).
O processo de individuação tem como finalidade
paradoxal aproximar o homem da idéia de divino através da aproximação do homem
com sua própria natureza.
"DreamCatcher" arte de Android Jones |
A individuação, portanto, diz respeito ao processo cíclico de integração
dos opostos psíquicos para transcender e atingir um contato mais significativo
com suas essências e se aproximar do arquétipo divino, o Si-mesmo (Self), e
está intimamente ligada com os processos e etapas alquímicas.
“A serenidade no
velho e o estar consciente dos problemas à sua volta é a melhor maneira de se
aferir seu processo de amadurecimento se completou. A total entrega e submissão
aos designíos da natureza, do Self, ou de Deus, é objetivo e fim de todos
aqueles que conseguem harmonizar os pares de opostos internos. É o coniunctio
oppostorium dos alquimistas, ou a pedra filosofal, o lápís, ou tantos outros
nomes que eles criaram para expressar o estado de totalidade e plenitude que
apenas os sábios, santos e heróis conseguem atingir de uma forma mais intensa e
duradoura” (ULSON, 1997, 79).
A alquimia, como veremos posteriormente, é um antigo método para a obtenção desse re-ligare com o Self
e permitir o amadurecimento da psique através de metáforas que permitam a
integração de opostos complementares.
"Individuação é um processo que ocorre durante toda a vida"
ResponderExcluirboa noite, como podemos buscar e praticar tal individuação?
joandrezsoares@gmail.com